Carta aberta a moça da padaria

Moça, esse fim de semana estava saindo do mercado, e em direção ao estacionamento, uma vendedora ambulante atravessou a rua gritando, e elogiou o meu estilo. Ela não queria me vender nada. Fui em direção ao carro, com um sorriso de orelha a orelha. E isso me levou a uma reflexão profunda durante todo o fim de semana, a respeito das pessoas que me rodeiam, e qual o papel delas na minha vida. Dai me lembrei de um guardador de carro há um tempo atrás, que não me vendo sair de nenhum carro, ao passar na frente dele, elogiou minha roupa, com a mesma empolgação daquela mulher que atravessou a rua. Ali, eu também me senti muito feliz. Por fim, lembrei de você, e de suas colegas de balcão, em todas as vezes que vocês me fazem sentir bem, quando vou a padaria. A diferença, é que por ser perto de casa, geralmente vou com um boné para esconder os cabelos bagunçados, óculos escuros para não mostrar os olhos inchados, e qualquer roupa larga ou de academia. E sempre quando podemos, nos abraçamos, batemos um rápido papo, ganho salgadinhos para provar, e esses minutos, são os melhores do meu dia. E o que há de semelhante entre os outros dois exemplos que contei, é que todos vocês, sempre me dão o melhor que podemos dar aos nossos semelhantes, sem pedir nada em troca, e sem saberem com quem estão lidando. 

Até hoje não sabemos o nome um do outro, vocês não sabem o que faço da vida, nem onde moro. Não fazem ideia com que cartão pago as compras. Não sabem da minha sexualidade, do meu estado civil, e o que faço durante o dia, quando ninguém está vendo. Mas vocês me dão muito mais do que aqueles que sabem até mais do que deveriam. Vocês me dão algo mais valioso, do que àqueles com quem dedico meu tempo, gasto meu dinheiro, e conhecem minhas qualidades, o que poderia influenciar que me tratassem bem melhor do que me tratam. Mas tudo o que essas pessoas me dão diariamente, são migalhas de qualquer coisa que sobrem delas, quando elas precisam atingir seus próprios interesses.

Nas redes sociais, há alguns anos atrás quando eu tinha um perfil bombado antes de perdê-lo, tinham algumas pessoas que eu achava que nem me acompanhavam, mas só curtiam minhas fotos quando aparecia em um jato. Hoje não é tão diferente assim. Há uns fantasmas que surgem nas visualizações dos stories, quando posto pedaços de parte do corpo da pessoa com quem divido minha vida afetiva. E há aqueles que só lembram de falar comigo, pra saber se estou viajando, e não pra saber como estou. Há quem se questione de onde vem meu dinheiro, se realmente sou uma pessoa de sucesso como aparento ser, mas nunca se deu ao trabalho de entrar no site da minha empresa, e ver uma enorme coleção de postagens de tudo o que já fiz, e faço na vida, no dias atuais. E mesmo com tanta informação a disposição, sabendo de coisas da minha vida, e tendo a oportunidade estar comigo, quando tiro um tempo pra estar com elas, essas pessoas não me fazem nem 10% feliz do quanto vocês, a vendedora, o guardador de carro, a recepcionista da academia, a moça que cuida do meu cabelo, o entregador da Amazon, e tantos outros desconhecidos que não sabem quem sou, ou o que tenho a oferecer a eles, me fazem. 

E isso se estende também para o lado profissional. O porteiro da sede da prefeitura da cidade onde eu moro, é um dos meus grandes fãs. Mesmo sem entender bem o meu conceito artistico, ele me acha um gênio, e quando estamos sentados na portaria conversando, a todos que passam, ele me apresenta, como se tivesse apresentando o Tarantino. A cozinheira do meu  sitio, não sabe ler. Mas já a peguei no flagra, pedindo a sua neta, para ler algumas coisas que escrevi para instituições de Portugal. Já minha familia, eles se interessam mais pelo resultado que o trabalho me traz, do que o que eu faço, que proporciona ter a vida que levo. As perguntas sobre a decoração da minha casa, ou as viagens, são consntantes. Aqueles que acham que são meus amigos, ou querem ser, já disseram que talvez eu seja uma grande fraude, sem nunca ter assistido a um filme meu, sem nunca ter lido um livro, ou conferido o meu currículo. Eles dizem que a meia dúzia de seguidores denuncia que não sou nada. Mesmo já tendo dito a eles que não trabalho pra opinião superficial. Meus contratantes, e meu público, nem rede social têm, e não se interessam por números de seguidores, ou as marcas das minhas roupa. Mas ainda assim, querem competir comigo, sem eu estar competindo com eles.

Portanto moça, achei que era importante aproveitar essa oportunidade de escrever uma crônica que me pediram, e falar sobre o que tenho refletido recentemente. E apesar de ter soltado algumas informações minhas, quero que a gente mantenha, ao menos por enquanto, as coisas como são. Não sei seu nome, e você não sabe o meu. Não por ter receio de que a intimidade estrague o que temos. Mas por perceber cada vez mais, precisamos de tão pouco na vida. E a única coisa que quero de você, é o carinho que você me direciona todos os dias quando vou buscar meus quibes e risoles. 

Texto: Rômulo

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