A noite em que abusei do meu abusador

Fui casada durante alguns anos com um homem, onde no casamento fomos muito felizes, e defendo que tive um matrimônio bem sucedido. Isso é o que eu digo as pessoas que não são íntimas. Ou nas ocasiões onde estou com preguiça, ou quando não acho necessário abrir detalhes de como de fato foi minha relação. Até porque, entendo que tudo na vida tem dois lados, e precisamos aprender a separar, e preservar as coisas boas. E de fato houveram coisas boas nesse casamento. Mas acabamos nos separando. Porém, foi uma história onde vivenciamos de tudo. Uma vida pública e social, soiedades empresariais e financeiras, e filhos. Por isso, e pelo amor - agora em outro formato - que eu acreditava que ainda existia entre a gente, mantivemos uma relação amigável, sem nunca mais considerarmos ter qualquer tipo de intimidade. 

Até que em uma noite, passando a semana na casa dele por motivos profissionais, estava no meu ápice de apetite sexual, pois já estava há meses sem sexo. E tentei. Primeiro manifestei verbalmente, depois sentei na beira da sua cama, e toquei suas partes íntimas. Ele se manifestou com uma certa ojeriza, como se algo nojento estivesse tocando-o. Depois disse que não teria nada comigo, porque daqui a pouco poderíamos estar "começando tudo de novo".

Ele ter me rejeitado, não foi o que me incomodou. Ele tem todo o direito. Mas a maneira como ele fez, encolhendo-se enquanto o tocava, e proferindo essa frase, como se a nossa relação tivesse sido o pior erro da sua vida, foi o que me tocou profundamente, na minha alma. Levantei em silêncio de sua cama, sem ter dito nada. Depois retornei para o quarto de hóspedes, mas não conseguir ficar quieta. Sai em direção a cozinha, bebi água gelada na boca da jarra, procurei algum cigarro esquecido na minha bolsa, mas não achei. Abri um site de filmes pornôs, mas não consegui ter nenhum orgasmo me masturbando com a almofada do sofá. E pra fechar, fiquei de cócoras no chão do corredor, com o rosto escondido entre as mãos, chorando e soluçando. Pensando em como eu era um lixo, e a que ponto cheguei. O quanto minha vida era miserável, meus negócios não estavam dando certo, minha familia sempre me rejeitou, e não havia nenhum motivo considerável para que eu insistisse em estar viva. Pensei em todas as possibilidades mais fáceis de tirar a minha vida, com muita serenidade, e certeza do que queria fazer. Até que estranhamente, meu filho mais novo apreceu no corredor, e apenas deitou-se ao meu lado. Não disse porque estava ali, e não perguntou porque eu estava chorando. Adormeci feliz e surpresa ao mesmo tempo com a atitude dele. Passamos a noite dormindo abraçados no chão do corredor, até que fomos acordados por seu pai, já com a luz forte do sol entrando por uma das janelas de vidro. 

Eu ainda tinha que ficar ali por alguns dias, mas no café da manhã, decidi fazer algo que a grande maioria das pessoas provavelmente jamais fariam, estando em meu lugar. Pedi desculpas ao meu abusador, por ter tentado abusar dele. Foram apenas uns toques em seu pênis, nada mais que isso. Mas eu ultrapassei um limite no qual não me foi concedido. Muito diferente de todas as vezes que eu fui penetrada a força na cozinha, no quarto, no banheiro, na sala, muitas vezes, ainda vestida, sendo que de uma mão eu recebia carinho, para eu não achar que aquilo era uma violência, e embaixo, estava sendo estocada, com um desespero semelhante a de um cão vira-lata no cio. E sim, ainda assim, eu pedi desculpas ao meu abusador. 

Eu decidi pedir desculpas, porque depois de ter pensando em diferentes maneiras de atentar contra a minha própria vida, e ter sido resgatada pelo calor e silêncio do meu filho, eu preciso continuar a viver. Ainda estou sangrando e chorando por dentro. Talvez nada dentro de mim um dia melhore. Talvez um dia eu seja feliz com outra pessoa, ou talvez um dia eu apenas tenha um sexo bom com um estranho que me respeita. Não sei. Mas pelo menos por hoje, eu preciso dar um passo, para tentar juntar meus cacos, e me salvar de alguma forma. Por isso, pedi desculpas por abusar meu abusador. Se nada na minha vida mudar, ao menos eu vou ter feito alguma coisa por mim, e não me arrepender amargamente de passar a eternidade me culpando por comparar a mim mesma, a ele. 

Conto: Rômulo

Comentários

Postagens mais visitadas