Cerimônia dos jogos olímpicos de 2024 em Paris, distraído entre um livro,
o aparelho de celular, e a TV ligada, de repente ouço L’Hymme à l’amour da
cantora francesa Edith Piaf, na voz de alguma outra cantora até então não
identificada, no que acredito ser o palco mais alto do mundo que um cantor possa
ter se apresentado nos últimos anos, o alto da Torre Eiffel. Celine Dion. Houveram apenas algumas frações
de segundos de dúvida entre a dona da voz, e a lembrança da minha expectativa de
que a mídia estava anunciando há alguns dias de que ela e a Lady Gaga poderiam
se apresentar na festa de cerimônia. Alguns até chegaram a especular de que as duas
poderiam se apresentar juntas, já que Celine vem sofrendo há alguns anos da
sindrome de pessoa rígida, e Gaga poderia lhe auxiliarna apresentação. E inclusive Celine já
havia feito uma espécie de despedida, e comentado sobre a possibilidade de
nunca mais voltar a cantar, em um depoimento super emocionante há algum tempo
atrás.
Os primeiros 10 segundos de sua voz interpretando uma música da cantora
francesa mais famosa da história, foi o suficiente para que eu começasse a me emocionar bastante, de uma emoção profunda. E haviam vários motivos
contextualizados naquela cena, e fora dela, para justificar minha profunda emoção.
Primeiro que aquela cena era muito semelhante com a situação em que Piaf vivia
nos seus últimos anos de vida, sofrendo de um câncer no fígado em decorrência
do alcoolismo. Muito debilitada, e com uma medicina muito menos avançada como é hoje, naquela
época, havia uma única coisa que era capaz de manter Edith viva, ou de ao menos
ser combustível para que ela quisesse se manter viva: subir aospalcos.
Situação essa muito bem mostrada em seu filme biográfico Piaf - Um Hino Para O
Amor (2007), vencedor de Oscar, e protagonizado pela atriz também francesa, Marion
Cotillard. E não era apenas coincidência que Celine em sua condição atual estivesse vivendo aquela mesma situação, tão especial nesse dia, se
apresentando para o mundo inteiro. Mas muito diferente do que acontecia com Piaf
no palco, que mal conseguia concluir uma música, e chegava a desmaiar por falta
de forças, Celine não só concluiu sua apresentação com maestria, como foi capaz
de mostrar através da arte que está mais viva do que nunca. Ou que a arte
seria justamente o motivo de se manter em pé, e forte como uma fortaleza.
“A arte existe porque a vida não basta.”, frase famosa conhecida através
do poeta maranhense FerreiraGullar, que define perfeitamente essa situação. Recentemente
passei por alguns desapontamentos em minha vida pessoal, e dependendo de algumas
coisas que passamos algumas vezes, essas, podem chegar a atingir algumas ouras áreas
de nossas vidas. E dependendo do caso e da pessoa, pode chegar a lhe desequilibrar
completamente. E justamente nessa semana, tenho questionado e refletido sobre
muitas coisas em minha vida. Sou artista, e consegui há algum tempo me estabilizar
de uma maneira que eu viva apenas da minha arte. E pra mim, como artista, é
necessário todos os dias que eu sinta que não estou passando por essa vida de
uma maneira displicente. Não importa qual problema eu esteja enfrentando, ou
quão escuro o dia possa estar, fazer arte pra mim é como dar sentido a minha
vida, e justificar a cada instante a oportunidade de eu permanecer vivo e estar
aqui. E ao mesmo tempo que essa semana tenha sido uma semana onde eu me peguei
por muitos momentos pensando sobre o meu dilema com uma certa melancolia, aconteceu
algo nos últimos dias que foi uma forte injeção de ânimo sobre um projeto em que
estou trabalhando. E isso tem feito me sentir muito vivo. Não alguém, ou algo especifico, mas o entendimento de que a minha arte foi capaz de revirar a mente do avesso
de uma pessoa, por conta de apenas algumas linhas escritas de um prólogo de um
livro.
Portanto, quando vejo Celine Dion encerrando a penúltima parte da música,
onde seu rosto expressa uma nítida feição de alguém que se fosse necessário
verbalizar naquele momento diria: “Eu consegui!Eu estou viva!”, posso sentir
profundamente o que é um artista que já entendeu que há uma vida além dessa da
qual discutimos, buscamos, e nos escravizamos todos os dias. Feliz de quem pode
desenvolver alguma atividade artística, que consiga viver através de sua arte,
e que já tenha entendido que quando tudo tiver desmoronando, e quando parecer
que está faltando tudo, você ainda pode tirar dentro de um baú precioso no profundo
da sua alma, uma dose extra de sobrevivência.
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